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Para o Idec, governo fará 'um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros' se aprovar o texto como deseja a Fifa

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou nesta segunda-feira carta à presidente Dilma Rousseff repudiando a Lei Geral da Copa. Segundo a entidade, o texto, que está em tramitação no Congresso, prevê "um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros."
Os pontos mais criticados da lei são os que se chocam com o Estatuto do Torcedor, as leis estatuais que garantem meia entrada a estudantes e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Na visão do Idec, a Lei Geral da Copa "elenca dispositivos que conflitam diretamente com direitos, garantias e princípios expressamente previstos no CDC."
O texto, por exemplo, dá à Fifa poderes para decidir livremente sobre cancelamento, devolução e reeembolso de ingressos - o que vai de encontro ao CDC.

- Sua aprovação, portanto, além de levar a uma norma com significativo potencial de inconstitucionalidade, extrapola a própria lógica de preservação da ética e da boa fé nas relações de consumo - afirmou Guilherme Varella, advogado do instituto.
Nesta segunda-feira, o governo federal sinalizou que deverá atender ainda mais as exigências da Fifa. O texto inicial aprovado pelo Planalto possui pontos que desagradaram a entidade. Alguns, como a manutenção da meia entrada para idosos, não serão modificados. Outros, no entanto, serão reavaliados.
O governo, por exemplo, já admite aumentar a pena para crimes de pirataria. Além disso, também deverá ajudar na liberação de venda e consumo de bebidas alcoolicas nos estádios durante a Copa.
Confira a íntegra da carta enviada pelo Idec à presidente Dilma Rousseff:

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) – associação de consumidores criada em 1987, sem fins lucrativos, atuante com independência política e econômica na defesa do consumidor -, diante das recentes notícias veiculadas pela imprensa acerca de eventuais retrocessos no que tange à restrição de direitos sociais, especialmente de direitos dos consumidores, em virtude da realização da Copa do Mundo de 2014 sediada no Brasil, e em decorrência do envio do Projeto de Lei n. 2.330/2011 (PL 2.330/11 - Lei Geral da Copa), manifesta sua preocupação e requer que V. Exa. leve em conta os seguintes pontos referentes à necessária proteção aos consumidores brasileiros.
Esse Instituto entende a importância e a excepcionalidade de um evento como a Copa do Mundo de Futebol, a ser sediada em nosso País no ano de 2014. No entanto, é inaceitável que qualquer evento, de cunho desportivo ou de qualquer natureza, justifique o descumprimento de direitos e garantias constitucionais, viole conquistas sociais e afronte as leis nacionais vigentes. Tampouco espera-se que o Governo Federal, responsável por propiciar as condições para o pleno exercício democrático da cidadania, apoie iniciativas que afrontem tais direitos, principalmente através de um iniciativa legal que trará sérias consequências para a população.
 As últimas declarações públicas do Governo apontam para a possibilidade do afastamento de direitos historicamente conquistados, como o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/2003), as leis estaduais de meia-entrada para estudantes e, especialmente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei 8.078/90) durante o ano de realização da Copa. A tentativa de "invalidação" do CDC é ainda mais preocupante, pois se dá através do próprio texto do PL 2.330/11, enviado ao Congresso no mês de setembro pelo Executivo. O PL elenca dispositivos que conflitam diretamente com direitos, garantias e princípios expressamente previstos no CDC. Sua aprovação, portanto, além de levar a uma norma com significativo potencial de inconstitucionalidade, extrapola a própria lógica de preservação Preliminarmente, é preciso ter claro que o torcedor que irá aos jogos é, antes de tudo, um consumidor. Um torcedor-consumidor, que deve se valer do CDC para ter seus direitos respeitados. No entanto, o PL 2.330/11 nem ao menos considera o CDC como diploma legal subsidiário à Lei da Copa. Seu art. 42 reforça a preocupação em compatibilizar o texto com legislações de propriedade intelectual, mas esquece da necessidade de aplicação do CDC para proteção da parte vulnerável e hipossuficiente das relações estabelecidas durante os eventos: o consumidor-torcedor. Além disso, o Projeto dedica um capitulo inteiro aos poderes exclusivos que a FIFA passa a ter na venda dos ingressos, o que obviamente alça a instituição à posição de fornecedora de produtos e serviços, conforme o art. 3o, do CDC. Com isso, obviamente ela se torna responsável pelos danos causados aos consumidores, tendo a obrigação de repará-los. Contudo, não é feita qualquer menção à sua responsabilidade.da ética e da boa-fé nas relações de consumo.
 De outro lado, o PL carrega na responsabilização dos indivíduos, misturando sanções civis e penais e ampliando as penas já previstas na legislação nacional. Traz também dispositivos que possibilitarão inúmeros desrespeitos ao consumidor. Os artigos 32 e 33, por exemplo, dão plenos poderes à FIFA para estabelecer preço e condições de cancelamento, devolução e reeembolso de ingressos, além da modificação unilateral nas condições dos serviços, como cancelamento e remarcação de assentos e mudança de datas e horários, sem qualquer menção a justificativa ou aviso prévio aos torcedores. Além de ferir o direito básico à informação (art. 6o, III, do CDC), esses dispositivos podem levar a diversos transtornos logísticos aos consumidores que poderão não ser recuperados em virtude do curto período de tempo do evento. Esse tipo de previsão dá margem para práticas e cláusulas abusivas na aquisição dos ingressos.

O inciso II, do art. 33, é especialmente preocupante. Ele dá poderes à FIFA para determinar a venda avulsa ou conjunta dos ingressos, sem estabelecer, entretanto, os critérios para isso. Na prática, esse dispositivo permite que ocorra um dos principais problemas dos consumidores brasileiros: a venda casada. Considerada prática abusiva pelo art. 39, I, do CDC, com o texto do PL, a obrigatoriedade de aquisição de um produto para conseguir outro (como em combos e pacotes) ganhará respaldo legal para ocorrer durante dos eventos da Copa. Caso existam reclamações, o litígio irá para o Judiciário que, por óbvio, não conseguirá julgar o pleito em tempo hábil para o consumidor usufruir devidamente dos jogos comprados.
Além disso, o PL permite que a FIFA estipule uma cláusula penal em seus contratos com os torcedores-consumidores em caso de desistência ou cancelamento do ingresso adquirido, "independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição" (Art. 33, III). Isso significa que a FIFA pode imputar penas (como prisão e multa) ao consumidor que, por exemplo, exerça seu direito, garantido pelo art. 49 do CDC, de se arrepender da compra em sete dias (caso ele a realize através da Internet, onde deverá ser vendida a maioria dos ingressos).

Por fim, o projeto da Lei Geral da Copa se omite em questões essenciais, como a proibição da publicidade enganosa e abusiva e quebra um dos pilares da defesa do consumidor, que é o equilíbrio nas relações de consumo: atribui poderes supralegais à FIFA, que passa a ser o único fornecedor eximido de obedecer à normas nacionais vigentes durante o período da Copa.
O Idec entende que o PL 2.330/2011, tal como se encontra, e os recentes apontamentos sobre a possível flexibilização de direitos sociais para atender à excepcionalidade da Copa, além de irem contra direitos assegurados pela Constituição, significam um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros, há mais de 20 anos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, solicitamos que o Executivo seja firme na defesa das leis e normas vigentes e, assim, reveja o texto da Lei Geral da Copa, de maneira a garantir sua plena compatibilização com os direitos dos consumidores e com todos os direitos sociais da população brasileira.
Lisa Gunn
Coordenadora Executiva do Idec

 

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